AFINAL, QUAL A CAPITAL DA BOLIVIA? – parte final
A nossa viagem à Bolívia entrava agora em sua etapa final. Na tarde do dia 22/08/10, após retornarmos de um passeio de 3 dias pelo Salar de Uyuni e a deslumbrante região de Sud Lipez no extremo sul do país, tomamos um ônibus rumo a cidade de Potosi, que fica na Cordilheira dos Andes a 4.000 metros de altitude, o que faz dela uma das mais altas cidades do mundo. O trajeto foi todo por estradas de chão, em uma bela região montanhosa, beleza que a escuridão da noite acabou ocultando. Apesar da integridade duvidosa do ônibus e do motorista “ligadão” à base das folhas de coca que ele ia mascando, completamos o trecho sem qualquer incidente, seis horas após a partida.
|
Foto 230 – Potosi é protagonista de um episódio marcante na história da América Latina. Por causa de sua trajetória de riqueza e tragédia, foi retratada no famoso romance As veias abertas da América Latina, do escritor uruguaio Eduardo Galeano. Fundada em 1545 logo após a descoberta de imensas jazidas de prata, sua história se confunde com a exploração massiva desse metal pelos colonizadores espanhóis. Estima-se que até 8 milhões de pessoas - escravos indígenas e africanos, tenham morrido devido aos trabalhos forçados nas minas de prata. Durante os tempos em que o metal parecia inesgotável, Potosi viveu momentos de esplendor, época que deixou um grande legado arquitetônico à cidade.
|
|
Foto 231 – Foi desta montanha – o Cerro Rico, que saiu a prata responsável pela imensa riqueza da cidade na época colonial. No auge da mineração, Potosi era a mais rica e populosa cidade das Américas.
|
|
Foto 232 – Uma amostra do tão cobiçado minério de prata do Cerro Rico. Não se sabe ao certo a quantidade extraída durante 4 séculos de exploração, mas um dito popular afirma que foi tanto metal que teria sido suficiente para construírem uma ponte de prata ligando Potosi à Espanha.
|
|
Foto 233 – Quando a prata começou a escassear no início do século 19, Potosi rapidamente entrou em grande declínio e a pobreza tomou conta da região. Foi um duro golpe para a cidade, do qual ela nunca conseguiu se recuperar totalmente.
|
|
Foto 234 – Hoje Potosi é uma cidade de 150.000 habitantes, de certa forma pacata e com bastante “cara” de Bolívia.
|
|
Foto 235 – O exaurido mas ainda imponente Cerro Rico, avistado de praticamente qualquer ponto da cidade |
Visita às Minas do Cerro Rico:
|
Foto 236 – Uma visita às ainda ativas minas do Cerro Rico é uma das experiências mais marcantes que alguém pode ter durante uma viagem à Bolívia. Longe de ser um passeio agradável, a visita percorre os mesmos ambientes insalubres onde os mineiros sujeitam-se diariamente a condições de trabalho duríssimas, condições que infelizmente melhoraram muito pouco desde os tempos em que milhares de trabalhadores escravos morriam a serviço da coroa espanhola.
|
|
Foto 237 – A visita começa pelo local de beneficiamento dos minérios extraídos da montanha. Atualmente os mineiros sobrevivem a partir da exploração do zinco e do chumbo, metais que de certa forma resgataram a cidade da obscuridade.
|
|
Foto 238 – Todo o processo evoluiu pouco ao longo dos séculos e continua, portando, bem artesanal. Muitas das mortes do passado ocorriam devido ao contato dos trabalhadores com mercúrio utilizado no beneficiamento do minério.
|
|
Foto 239 – A visita é toda guiada por ex-mineiros, que conhecem o lugar e os trabalhadores. Você assina um papel assumindo toda a responsabilidade pelos riscos envolvidos.
|
|
Foto 240 – Rasteja-se por túneis estreitos e cheios de pó de sílica. Lembro até hoje do cheiro e do gosto do pó nas narinas e na garganta.
|
|
Foto 241 – É justamente esse pó que acaba com a saúde dos mineiros. É um trabalho perigoso e extenuante e a maioria dos trabalhadores chega ao fim da vida com os pulmões comprometidos.
|
|
Foto 242 – O trabalho é extremamente pesado e sem qualquer mecanização, o que evidencia ainda mais as condições desumanas que os mineiros enfrentam.
|
|
Foto 243 – Os trabalhadores se preparam para sua jornada diária mascando folhas de coca, hábito antigo, já praticado desde o tempo dos incas. A folha funciona como um estimulante capaz de fazê-los suportar por várias horas as duras condições de trabalho dentro das minas.
|
|
Foto 244 – Os mineiros ficam expostos diariamente a temperaturas extremas e a todo tipo de químicos e gases nocivos, além do pó de sílica. Nessas condições, muitos morrem de pneumonia após 10 ou 15 anos de trabalho.
|
|
Foto 245 – Este é Carlos, 20 anos de idade, desde os 9 trabalha na mina. Depois de dez anos de serviço, quando o trabalhador invariavelmente já perdeu 50% da sua capacidade pulmonar ele adquire o direito de se aposentar.
|
|
Foto 246 – Carlos nos mostra suas ferramentas de trabalho. Também é comum o uso de dinamite, que é vendida livremente nas ruas junto a outros itens de “primeira necessidade” dos mineiros: folhas de coca e bebidas alcoólicas.
|
|
Foto 247 – Eu e outro visitante somos convidados a empurrar um carrinho cheio de minério, uma amostra muito pequena do que eles enfrentam todos os dias.
|
|
Foto 248 – Pausa no batente, os trabalhadores aproveitam para tomar um “refresco”. Não é raro encontrarmos mineiros alcoolizados.
|
|
Foto 249 – De qualquer maneira, não se pode esquecer a dose “pro santo”.
|
|
Foto 250 – A maioria dos visitantes, ao percorrerem os túneis da mina, acabam eventualmente se deparando com alguma figura diabólica pelo caminho. Os trabalhadores creem que as profundezas da terra sejam a morada do capeta, aqui chamado de El Tío, a quem creditam a posse do minério da montanha. Em troca daquilo que extraem, oferecem à entidade presentes tais como cigarros, álcool e folhas de coca. Enquanto depositam as oferendas, pedem também proteção contra acidentes de trabalho.
|
|
Foto 251 – De volta à superfície! Agora o mineiro vai explodir uma singela dinamite em nossa homenagem, material que compramos ali do outro lado da rua.
|
|
Foto 252 – Muito gentil, ele acende o pavio e me entrega a dinamite. Tem certas coisas na vida que nos deixam pouco à vontade. Estar segurando uma bomba prestes a explodir é uma delas.
|
|
Foto 253 – Lá vai o guia correndo com a dinamite acesa. Ele larga o explosivo em um ponto isolado. Só nos resta tapar os ouvidos.
|
|
Foto 254 – Fiquei esperando com o dedo sobre o disparador da câmera fotográfica, de modo que essa foto acabou sendo acionada pelo reflexo do meu corpo ao estrondo da explosão, uma fração de segundo após a detonação.
|
|
Foto 255 – Foi emocionante, mas achamos prudente não explodir o modelo “master plus”
|
Museu Casa Nacional de Moneda:
|
Foto 256 – No nosso segundo dia em Potosi, visitamos a Casa Nacional de Moneda, uma das principais atrações da cidade e um dos melhores museus da América do Sul.
|
|
Foto 257 – A Casa de Moneda foi construída devido à necessidade de um centro de beneficiamento e cunhagem da prata extraída do Cerro Rico, processo iniciado em 1572. No pátio de entrada há uma fonte com uma máscara do deus Baco. Não se sabe ao certo a razão dela estar lá, mas a verdade é que essa figura acabou tornando-se um ícone de Potosi.
|
|
Foto 258 – As paredes da edificação têm mais de um metro de espessura, fato que tornou a Casa de Moneda apta a desempenhar duas funções adicionais: prisão e quartel general do exército boliviano.
|
|
Foto 259 – O prédio abriga grandes tesouros históricos, muitos deles - como não poderia deixar de ser, em prata maciça, uma pequena lembrança da época do apogeu da cidade.
|
|
Foto 260 – Belas pinturas também decoram as paredes do museu. Esta representa o Cerro Rico, principal protagonista da marcante história de Potosi e única testemunha da trajetória de riquezas e tragédias da cidade.
|
Sucre, a Verdadeira Capital da Bolívia:
|
Foto 261 – Antes de encerrarmos nossa viagem, conseguimos fazer uma rápida mas merecida visita à Sucre, uma das cidades mais bonitas da Bolívia e o coração simbólico do país, por ter sido o local da declaração de independência. Enquanto La Paz é a sede do governo, Sucre é reconhecida pela constituição boliviana como a verdadeira capital da Bolivia.
|
|
Foto 262 – Sucre preserva os traços da arquitetura colonial em suas impressionantes igrejas e museus. Acabou sendo declarada patrimônio mundial pela Unesco em 1991.
|
|
Foto 263 – Casa de La Libertad, onde a declaração de independência foi assinada em 6 de agosto de 1825. É um memorial nacional e o melhor museu de história da Bolívia. Após fotografar sua fachada fomos espiar o interior, justamente no momento em que uma visita guiada estava sendo iniciada. Acabamos brindados com uma verdadeira aula sobre a trajetória política do país na própria capital da Bolivia.
|
|
Foto 264 – Sucre fechou com chave de ouro aquela viagem. Depois de um tranquilo passeio matinal pelas ruas da capital boliviana, pegamos um voo doméstico até Santa Cruz de La Sierra, onde passeamos por algumas horas até o momento de nossa partida para retorno à Porto Alegre.
|
E assim terminava nossa viagem à Bolívia. Foram apenas 13 dias, mas voltamos para casa com a sensação de termos conhecido a essência do país. Uma visita à Bolívia, mais do que perrengues, experiências insólitas e belas imagens, rende também boas reflexões sobre como um país tão belo e tão rico em recursos naturais pode ao mesmo tempo ser tão pobre em infraestrutura (né Brasil?). E da mesma forma como desejamos o progresso do nosso país, fica a torcida para que o desenvolvimento avance por terras bolivianas, mas de maneira tal que a identidade cultural e as belezas naturais desta bela Bolivia possam permanecer intactas.
Fim.
Apesar de ter sofrido os males da altitude em Copacabana, de ter passado frio em Sud Lipez e achar que nunca mais ia conseguir sair de dentro da mina de Potosí, a viagem foi maravilhosa! Obrigada Danielle por ter ido morar na Bolivia, obrigada Robson por ter planejado tão bem a nossa viagem - e a ter eternizado nestes relatos!
ResponderExcluirUma bela exposição, mas que toca o coração.
ResponderExcluirFiquei a imaginar a vida de um mineiro e sua família, sabendo
que a morte os espreita a cada minuto.
Quem pode sonhar com este tipo de vida.
Vida dolorosa e cruel.
Parece-me que eles não têm outra opção de trabalho.
Nasceram para a escravidão...
Bom dia Robson, conheci o teu blog tardiamente mas aos poucos encontro um tempinho para seguir todas as viagens que voce fez. Eh bem legal o teu blog.Adoro viajar, o que falta nesse momento sao os meios e o tempo ... abraços
ResponderExcluirRealmente Amelia, as vezes nos falta tempo para realizar as viagens que tanto desejamos. Mas com um pouquinho de planejamento, aos poucos já dá para ir começando a desbravar alguns dos seus lugares favoritos. As oportunidades eventualmente surgem, cabendo a nós priorizar aquilo que realmente nos satisfaz.
Excluirolá Robson, estou pesquisando pesquisando ....e me deparei com o seu blog, adorei as suas histórias, aventuras e fotos, parabéns! Estou planejando uma viagem Bolívia e Peru, tenho 20 dias mais ou menos, confesso que sou um tanto medrosa, quero dizer, cautelosa, tentando limpar a minha barra. Por isso, a minha pergunta: você acha que viajar pela Bolívia de ônibus indo para Machu Picchu é perigoso?
ResponderExcluirPerigoso não é, mas é uma viagem com potencial chance de ter que enfrentar algumas "indiadas" pelo caminho. Se você for uma pessoa que gosta de novas experiências sem se importar com eventuais desconfortos e possuir uma boa dose de espírito de aventura, garanto que fará uma viagem memorável e terá muitas histórias para contar depois. Recomendo!
Excluir