Tombo de Moto no Deserto
14/02/2008
- Em algum lugar no Deserto do Atacama.
Era uma tarde ensolarada, aliás, como não poderia
deixar de ser, considerando-se que eu estava em pleno deserto. Vinha pilotando
minha moto, uma Yamaha XT 600, e
transitando solitário por uma estrada secundária, perdida em meio a uma região
montanhosa no norte do Chile. Já era de tarde, tinha saído cedo do acampamento
no vilarejo de San Pedro de Atacama
para visitar a renomada Laguna Miscanti.
Depois de passar algum tempo admirando a beleza daquela bela lagoa de águas
azuis, resolvi retornar ao acampamento utilizando um caminho diferente do da
vinda. O caminho em questão não aparecia nos meus mapas da região, mas eu tinha
tomado conhecimento de sua existência durante uma conversa com alguns moradores
locais na véspera daquele dia. E era ali que eu estava naquele exato momento: em
uma estradinha estreita e mal cuidada, perdida no meio das montanhas e sem o
menor vestígio humano. Além de pedras e
buracos, o caminho era repleto de pontos de areia fofa, um pesadelo para a
condução sobre duas rodas.
Pilotar em uma estrada de areia mostrava-se uma
tarefa bastante cansativa, devido à tensão gerada na tentativa de manter o
controle da moto naquelas condições. E eis que, ao realizar uma manobra brusca
para desviar de uma pedra, senti a moto repentinamente perdendo sua trajetória.
A XT sacudiu-se violentamente enquanto eu tentava manter seus quase duzentos
quilos em uma trajetória retilínea. O esforço acabou mostrando-se em vão. Fui
jogado ao chão, a moto caindo por cima de mim e seu estribo atingindo minha
canela direita, justamente no local já machucado devido outro tombo ocorrido na
véspera. Ainda debaixo da moto, comecei a sentir uma dor forte no local da
batida, o que me dificultou bastante na tarefa de me desvencilhar da máquina.
Devido o impacto recebido, quando finalmente consegui me levantar, percebi que
eu pisava com bastante dificuldade. Olhando para a moto caída, lembrei que
ainda precisaria colocá-la de pé. Instintivamente olhei ao redor em busca de
auxílio, mas tudo que enxerguei foram algumas lhamas pastando ao longe, que logicamente
não demonstraram qualquer pré-disposição em me ajudar. Tratei então de soltar
toda a carga da moto para deixá-la um pouco menos pesada e, após diversas
tentativas e esgotamento total de minhas forças, acabei conseguindo colocá-la
de pé. Além do peso próprio da XT 600, a areia fofa e o ar rarefeito daqueles
4.500 m de altitude não ajudaram em nada na tarefa, isso sem falar da minha
perna dolorida. Mas acabei conseguindo. Voltei a amarrar toda a carga, dei
partida no motor e segui viagem.
A pobre estrada, que já estava suficientemente ruim,
parecia piorar a cada quilômetro percorrido. A moto, coitada, também sentia o
efeito da falta de oxigênio e o seu respeitável motor de 600 cc comportava-se
como o de uma 125cc. Mesmo com sua excelente suspensão, a brava XT também
chacoalhava feito uma britadeira naquela precária estrada, requerendo revisões
periódicas nas amarras da carga, que insistiam em afrouxar com toda aquela
trepidação. Àquela altura, com a perna doendo e preocupado com o entardecer que
já se aproximava, eu já tinha até mesmo desistido das tradicionais paradas para
fotos, mesmo estando cercado por belezas incríveis. Já não via a hora de chegar
ao acampamento e escapar do frio que já começava a dar as caras. Na altitude em
que eu me encontrava, não quis nem imaginar a temperatura ambiente dali a
poucas horas, quando o sol me abandonasse por completo.
Por fim avistei uma bifurcação: o meu caminho
finalmente retornava à estrada principal e logo adiante, para meu deleite,
reencontrei meu querido e saudoso amigo asfalto. Meia hora depois eu já estacionava
a moto no camping em San Pedro de Atacama. Tirei a roupa empoeirada, tomei um
banho e fui deitar na barraca. Já era noite.
Analisei o estado da minha perna. No ponto da batida
havia se formado um enorme hematoma e o local estava inchado como se houvesse
um ovo de galinha abaixo da pele. A dor tinha aumentado bastante a ponto de eu
mal conseguir me mover. Fiquei indignado. Como poderia prosseguir viagem? Ainda
tinha uma semana pela frente e estava a uns 4.000 km de casa. Sem conseguir mais
raciocinar, joguei para o alto todos os pensamentos e dormi um sono agitado,
deixando para o dia seguinte a decisão sobre o que fazer para sair daquela
enrascada.
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