Turquia: Istambul e Galipoli

Este material foi produzido em 2002. Naquela época eu tinha 22 anos e usava uma câmera (de filme) de quinta categoria. Daí o estilo diferente de escrita e as fotos limitadas. 

LESTE EUROPEU: DESCOBRINDO UMA OUTRA EUROPA - PARTE 2

Esta á a continuação da parte 1 - Grécia: Atenas e o Interior do País


Durante a viagem até a fronteira entre a Grécia e a Turquia, fomos advertidos sobre nosso comportamento diante das autoridades. Exatamente como tinha sido esperado, encontramos uma tropa fortemente armada protegendo a entrada. Isso me fez lembrar quando eu ainda estava em Londres, percorrendo as embaixadas de todos esses países e checando a papelada necessária à viagem. Num mesmo quarteirão cheio de embaixadas, a turca era a única com proteção policial, devido a ameaças de atentado causadas por um conflito qualquer. É tanto conflito acontecendo por aquelas bandas que fica até difícil de se encontrar uma razão.


Istambul e a grande Mesquita

Para a verificação de passaportes todos tiveram que descer do ônibus e passar pelo controle de imigração. A princípio parecia tudo certo: recebi o carimbo no passaporte sem maiores complicações e fui me juntar ao grupo. Só que minha alegria durou pouco e novamente fui chamado pela polícia turca. Qual não foi minha surpresa ao ser informado que de brasileiros era exigido uma espécie de comprovante médico, atestando a ausência de qualquer epidemia tropical! Os australianos não encontraram nenhum problema mas eu, um mísero latino vindo do meio da selva, era capaz de estar trazendo alguma praga pra terra deles. Depois de uma meia hora aturando um médico local que só ficava resmungando em turco, consegui passar.

Foi só atravessar a fronteira e já era possível ouvir, vindo de uma cidade próxima, aquela cantoria em forma de choradeira que os muçulmanos fazem quando estão rezando. Na Turquia 99,8% da população é muçulmana e existem no país mais mesquitas do que padarias. O ônibus encostou para que pudéssemos adquirir algum dinheiro turco antes de chegar ao albergue (sim, na Turquia demos uma folga às barracas). Troquei 10 libras inglesas que em dinheiro turco me renderam uns 20 milhões! A princípio bate “aquela” felicidade, mas assim que você vai comprar um picolé e descobre que ele custa um milhão... É a famosa alegria de pobre! Pelo jeito a economia anda igual a do Brasil, na época dos cruzados, quando viviam cortando zeros do dinheiro. Por outro lado foi bom relembrar a época que eu ia pra padaria com uma daquelas nota cheia de zeros comprar um danoninho.

Essa noite passamos num albergue em Istambul e após um jantar servido com arroz sem feijão (imperdoável) descemos para o bar anexo, onde tinha sido prometido um show com dançarinas de balé turco. As bailarinas, ao invés de se limitarem a dançar, nos obrigaram a participar do espetáculo. É claro  que quando os marmanjos começaram a rebolar, aquilo na mesma hora deixou de ser espetáculo.

Após os rebolados da noite anterior, saímos para uma caminhada pelo centro de Istambul, que é uma cidade muito rica, histórica e culturalmente, com um passado repleto de acontecimentos marcantes. Por vários séculos, essa área antes conhecida como Constantinopla, tem sido  um grande centro de negócios, principalmente devido à posição estratégica do porto de Istambul. O que marca, no ponto de vista turístico, são as imponentes mesquitas muçulmanas. Visitamos uma das maiores e tivemos oportunidade de aprender um pouco sobre essa estranha religião. O bom muçulmano deve orar cinco vezes ao dia, sendo essa regra já de cara desprezada por 95% da população. Outros deveres incluem jejum total durante determinados dias do ano (isso inclui água). Outro detalhe interessante é a obrigação de lavar várias partes do corpo antes de cada oração. Esse costume em particular bem que poderia ser adotado em outras partes da Europa...

Vendedores ambulantes certamente não passam despercebidos em Istambul. O engraçado é que esses realmente fazem jus ao nome “ambulantes”, porque fecham o cerco em turistas caminhando pelas ruas e seguem os infelizes por uns bons 20 metros, oferecendo suas bugigangas. Na saída de uma mesquita eles atacaram nosso grupo, mas bateram em retirada quando uma viatura da polícia apareceu buzinando e perseguindo os caras que corriam rua abaixo. Essa cena teria dado uma foto e tanto. Nesse dia ainda tivemos tempo de visitar o palácio sede do governo turco até 1922, quando o país era governado por sultões. No fim da tarde embarcamos no nosso ônibus, rumo a Galipoli, ainda na Turquia, para presenciar as celebrações do “Anzac Day”.

Pit Stop de viagem nas estradas turcas

O Anzac Day, dia 25 de abril, é feriado nacional na Austrália e Nova Zelândia, pois é uma importante data histórica para eles. A coisa toda ocorreu em 1915, durante a primeira guerra mundial, quando tropas desses dois países foram enviadas à península de Galipoli. Essa era uma posição estratégica, que as tropas aliadas pretendiam tomar dos turcos. Para essa missão, os Anzacs – como ficaram conhecidas as tropas australianas e neo zelandezas – desembarcaram pela primeira vez na costa da Turquia na alvorada do dia 25 de abril de 1915. O ataque, porém, foi surpreendido pelos soldados turcos, que estavam estrategicamente posicionados nas colinas adjacentes à praia, causando enormes baixas aos Anzacs. Para relembrar os mortos na primeira guerra, todo ano no dia 25 de abril se realiza uma cerimônia no exato local daquele desembarque e isso é feito quando os primeiros raios de sol estão surgindo no horizonte. É exatamente assim que os soldados viram a praia há quase 90 anos atrás. Atualmente essa cerimônia é presenciada por cerca de 10 mil pessoas.

Viajando durante a noite chegamos à península de Galipoli mais ou menos à uma da manhã do dia 25. O lugar não é exatamente uma cidade, tudo o que existe são umas poucas casas e mesmo assim bem longe do local do desembarque. A área onde ocorreram os combates há 87 anos é tombada pelo governo e os campos de batalha estão do mesmo jeito de quando os últimos soldados ali morreram. Até mesmo parte das trincheiras ainda estão abertas.

A cerimônia só começaria às 5 da manhã, mas uma multidão já esperava no local. A madrugada estava realmente gelada e para se proteger do frio valia até saco de dormir como casaco. Não foi nada agradável ter que esperar durante quatro horas com aquela brisa gelada da madrugada soprando do mar. Quando o dia estava amanhecendo, todos foram acordados pelo toque de corneta que acompanhava o hasteamento das bandeiras da Austrália, Turquia e Nova Zelândia. Mesmo para mim, que não compartilho do mesmo sentimento daqueles que, durante a vida toda, ouviram as histórias de seus compatriotas na guerra, aquele cerimonial deixou sua marca e assim como vários outros momentos nessa viagem, dificilmente esquecerei. O resto do dia foi destinado a uma caminhada por toda a área onde dezenas de memoriais foram erguidos. Através deles, toda a história da campanha de 1915 é contada. E no alto de uma colina estão também os túmulos de milhares de soldados mortos em Galipoli.

Cerimônia do Anzc Day ao amanhecer na península de Galipoli

Em 1934, um general turco escreveu algumas palavras que mais tarde viriam ficar famosas, homenageando os soldados Anzacs, que combateram e morreram em Galipoli:

“Aos heróis que derramaram seu sangue e perderam suas vidas... Vocês agora repousam em solo amigo, portanto descansem em paz. Não há mais diferença entre os Johnnies e os Mehemets, onde eles repousam lado a lado em nosso país.Às mães, que enviaram seus filhos vindos de terras distantes, enxuguem suas lágrimas: seus filhos agora repousam em nosso seio e estão em paz. Tendo perdido suas vidas nesta terra eles se tornaram nossos filhos também”.

Memorial em homenagem aos combatentes de Galipoli

Retornamos a Istambul tarde da noite, onde ainda permaneceríamos mais um dia, este totalmente livre, onde cada um poderia explorar a cidade por conta própria. Era a hora perfeita para uma caminhada nos imensos mercados, ou “grande bazar”, como eles chamam o negócio lá. Tapetes e carpetes são o destaque na área, onde me deparei com os que talvez sejam os vendedores mais carrapatos da face da Terra. Acho que esses caras já foram mencionados lá pra trás no texto, mas certamente ainda merecem mais algumas palavras.

Chega a ser cômico o que algumas pessoas fazem e falam para convencer os turistas a pararem em suas lojas. Eu com essa minha cara poderia até passar despercebido aos caçadores de turistas, mas estando sempre junto com os australianos também passei a ser visado.

Uma das táticas milenares dos vendedores é jogar o preço das mercadorias pras alturas quando algum turista pergunta. Se o comprador, deparando-se com um preço absurdo, não mandar o vendedor ir plantar batata, virar as costas e ir embora, o vendedor ainda terá bastante espaço para enfrentar as pechinchas, baixar consideravelmente o preço e ainda sair com uma imagem de generoso, tendo vendido a muamba por cerca de um terço do preço original. Caso o comprador realmente opte pela primeira opção, mandando o turco ir plantar batata, este fará uso do “plano B”, que consiste em ir reduzindo drasticamente o preço aos berros à medida que o comprador, indignado, vai indo embora. Geralmente não funciona. Depois de dar boas risadas dos vendedores em ação, nada melhor do que relaxar num autêntico banho turco, com serviço de massagem incluído. O que deveria estar também incluído, no entanto, era uma sessão de fisioterapia para se recuperar da massagem, que de relaxante não teve nada.

E assim terminaram os quatro dias de Turquia e só pra não perder o costume os australianos tinham ido ao bar encher a cara na última noite na cidade, porque não poderiam deixar passar a oportunidade de enfrentar uma viagem sofrendo de ressaca, uma experiência única... Isso foi dia 27 de abril, quando embarcamos cedo e iniciamos um longo dia de viagem que só terminaria em Shumen na Bulgária. Não demorou muito e alcançamos a fronteira Turquia/Bulgária.

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