Vivendo o Cotidiano de Londres - parte 3
Os textos
intitulados “Vivendo o Cotidiano de Londres” são o resultado da compilação dos
emails que eu enviava aos colegas e parentes no Brasil, descrevendo minhas
experiências durante os dois anos que morei na Inglaterra, entre 2000 e 2002.
No entanto, ao publicar esses relatos, resolvi mantê-los todos em seu formato
original, contribuindo para que o texto retrate minhas impressões exatamente da
forma como foram vividas.
Fevereiro de 2001 ( Viagem às Ilhas Canárias)
Parece que foi
ontem que eu estava embaixo do Big Ben para a passagem do ano novo, mas janeiro
já foi pro saco e o inverno aqui continua castigando. Ao contrário do que
muitos imaginam, não acontece nada de sensacional durante as festas de fim de
ano. O natal particularmente é comemorado de uma maneira um pouco diferente, e
no meu ponto de vista é mais comercial que no Brasil. Tudo gira em torno das
compras e os comerciantes fazem de tudo para atrair os fregueses, com fabulosas
vitrines expostas nas grandes e famosas lojas de departamentos. O clima é esse:
até o dia 24 à tarde as ruas transbordam de gente apressada nas compras de
natal. Não, definitivamente não são só os brasileiros que deixam tudo para
última hora. Dia 25, porém é o oposto, porque nada funciona nesse dia, nem
mesmo o transporte público. É o dia que os ingleses reservam para estar com a
família e os presentes são distribuídos durante o grande almoço de natal e não
na véspera à noite como no Brasil.
PRAIA, artigo de luxo nos tempos de Inglaterra |
Mas como toda
família brasileira que se preste, nós aqui de casa acabamos comparecendo a uma
ceia dia 24 à noite na casa de um colega. Claro que não pôde faltar o
tradicional amigo oculto! E foi basicamente isso. Dia 28 de dezembro caiu uma
neve no capricho, que demorou três dias para derreter por completo. Deu até pra
fazer um boneco “meia boca”. Pelo que me disseram já fazia cinco anos que não
nevava pra valer em Londres, eram apenas geadas ou então uma neve tão fraca que
logo derretia com o sol da manhã.
Como eu seguia
trabalhando todos os dia até uma da matina, já estava começando a ficar com
medo de passar o reveillon dentro do Mc Donalds. Só que excepcionalmente no dia
31 ele fechou às 19 horas para a alegria dos funcionários. E onde será que eu
estaria na hora da virada? No Big Ben, é claro! Eu e o resto da cidade.
Reunimos então uma turma de colegas e nos mandamos para lá. Descemos do trem
uns vinte minutos antes da meia noite e nos metemos no meio daquele mar de
gente barulhenta que também estavam indo para lá. A cidade estava toda
iluminada, mas o tradicional show de fogos tinha sido suspenso este ano, ainda
nem sei o porquê. Ficamos lá então, bem no pé do relógio só esperando as doze
badaladas. O detalhe é que foi impossível escutar alguma coisa, tamanho era o
berreiro do pessoal. A bagunça continuou e, após eu levar um banho de
champanhe, saíram todos andando pelas ruas, cantando, berrando, enfim, um
esporro geral que continuou até duas e meia da manhã. Eu estava com uns colegas
bem gozadores, por isso ficamos o tempo inteiro zoando com os gringos. Aliás,
aqui na Inglaterra nós que somos os gringos! Mas não importa, são sempre iguais
no modo de agir, mesmo no seu país. Teve um que quando ouviu o nome
"Brasil", ficou repetindo toda a escalação da seleção brasileira. É
isso mesmo, Brasil para os gringos ainda é sinônimo de futebol, samba e mulata.
O interessante é que se falávamos alguma coisa em português, eles ficavam
repetindo igual papagaios. Como somos bons garotos tratamos logo de mostrar a
eles como "falar educadamente", ensinando algumas palavras básicas.
Em pouco tempo lá estavam eles felizes da vida se xingando em português! Não
preciso nem dizer o quanto rimos da cara dos infelizes, não é?!
Após as correrias
de fim de ano, achamos que era uma boa hora para viajar. Minha mãe já tinha
comentado sobre uma possível visita a uma tia dela que mora em Las Palmas -
Espanha, e vimos que a hora era aquela. Meu pai não poderia ir por causa do
trabalho dele. Quanto ao Mc Donalds a única coisa que precisou ser feita foi
avisar que eu faltaria por uma semana. Compramos então a passagem mais barata
que encontramos num vôo "charter" (até agora não entendi direito
porque esse tipo de vôo tem preço reduzido, mas talvez seja porque o avião é
projetado para pessoas com menos de um metro e meio de altura). Decolamos de
Londres na manhã do dia 15 de janeiro para uma viajem de quase 4 horas até Las
Palmas. Quando estávamos para pousar o piloto informou a temperatura do
destino: 23 graus! Pra quem tinha saído
de uma Londres chuvosa a uma temperatura de 5 graus aquilo foi fantástico.
Tínhamos chegado em Gran Canária, na costa da África, uma das ilhas do
arquipélago das Ilhas Canárias, pertencentes à Espanha. Fomos então para a casa dessa nossa tia, onde
passamos uma semana, aproveitando para conhecer a ilha toda. Todos os dias
recebíamos dicas sobre os pontos turísticos, pegávamos os devidos ônibus e
íamos conferir. Desse modo estivemos ao norte, sul, leste e oeste da ilha.
Num certo dia, de
carro, nos levaram para conhecer a outra
grande ilha do arquipélago: Tenerife. Compramos passagens numa balsa que ligava
as duas ilhas, dessa forma levaríamos o carro para poder ser usado em Tenerife.
Essa balsa era enorme e apesar de transportar dezenas de carros, ônibus e
caminhões, navegava a uns 100 km por hora, cobrindo o trajeto em uma hora.
Viajamos na primeira classe (isso, é claro, porque não éramos nós que estávamos
pagando) com direito a serviço de bar incluído. Era por volta de oito horas,
então tratei de pedir meu café da manhã. O problema dessas comidas chiques,
porém, é que eles se preocupam mais com a aparência do que com o gosto e seus
nomes parecem que são escolhidos com o propósito de iludir as pessoas, ou pelo
menos o povão, quando quer dar uma de granfino. Portanto, acabei levando gato por
lebre. Na volta eu já estava mais prevenido e com a ajuda do meu tio que é
espanhol, consegui comer um "BOCADILLO DE POLLO CON ZUMO DE PINHA" ou seja, sanduíche de
frango com suco de abacaxi!
Já em terra,
demos uma volta de carro pela ilha, visitamos alguns primos e fomos conferir de
perto o TEIDE, um vulcão, que é o ponto mais alto da Espanha. O cume, se não me
engano, fica a uns 3.700 metros de altitude Foi um passeio e tanto, eu nunca
tinha estado no pé de um vulcão de verdade, principalmente um como esse. Dizem
que ele ainda expele vapores de enxofre, o que mostra que ainda não está
totalmente morto. À medida que íamos subindo de carro, a paisagem e a vegetação
iam mudando gradualmente. Enquanto ainda estávamos na base da montanha, a
estrada passava por lugares cheios de árvores e o céu estava completamente
nublado. Perto dos 2000 metros de altitude, porém, atravessamos a camada de
nuvens e o céu ficou azul. Ao mesmo
tempo, o solo ia se tornando cada vez mais árido. Por volta dos 2200 metros de
altitude a estrada terminava e nesse ponto estávamos bem debaixo do vulcão. A
visão era impressionante, parecia que estávamos em algum outro planeta. O solo
nesse ponto era formado basicamente da lava expelida há cerca 700 anos, durante
sua última erupção. Já era possível sentir os sintomas do ar rarefeito como,
por exemplo, falta de fôlego quando se corria e uma leve dor de cabeça. Depois
disso iniciamos a descida, por outro caminho, cheio de mirantes com vistas de
tirar o fôlego. Realmente esse vulcão marcou bastante a viagem e foi dele a
última visão que tivemos das ilhas Canárias, já no avião, retornando à Londres.
E foi isso. Além de ter sido uma experiência e tanto pelo fato de ter conhecido
lugares e pessoas, foi também uma ótima oportunidade para rever o meu querido amigo O SOL, que já andava fazendo
falta!
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